terça-feira, 1 de abril de 2008

Victoria (amante, 30 anos)

Victoria é brilho e cores, mesmo quando está triste e toda de preto. O preto dela brilha, o seu não. O sobretudo preto quase derrete de tão preto que é. As unhas transbordam vermelho. Ela está sempre de unhas pintadas, faz as mãos com frequência, mas demora para tirar o esmalte quando começa a descascar. Hoje, por exemplo, seu esmalte está descascado. Ela ainda piora a situação, cutucando a unha na tentativa de remover o vermelho.

"Não é mais fácil passar um removedor, Victoria?"
"Seria se eu tivesse. Como eu não tenho, não é."
"Tem uma farmácia no final do quarteirão do seu prédio, você pode comprar lá."
"Não, eu não posso."
"Por que?"
"Porque eu não quero, ué."

Ela é assim. Responde curto e grosso.

"É o meu jeito."
"Sim, jeito grosso esse seu."
"Pode ser."

Todos os amigos dela sabem disso. Sabem que podem ter o barato cortado a qualquer momento. Deveriam estar acostumados com o jeitão rude da madame. Não. Até hoje, quando ela responde de qualquer jeito, eles se aborrecem. Aconselho a se aborrecer e ficar quieto. Não se aborreça e solte um "Poxa, Victoria...", "Mas por que..." . Só piora. Victoria é daquele tipo de gente que perde o respeito pelo frágil. É também mestre em ocultar a sua dose de hipocrisia.

Hoje seu celular tinha nada mais do que dez torpedos de um tal de "M.R". Como ele não põe o nome, só as iniciais, achei que fosse personagem de alguma estória cabulosa e por isso hesitei em tocar no assunto. Estórias cabulosas não são contadas para qualquer um e em qualquer circunstância. Fingi para mim mesma não saber de nada, assim eu não atiçava a minha própria curiosidade e não corria o risco de perguntar algo. Bobagem, ela mesmo começou:

"Quantas vezes apitou o telefone com mensagem? "
"Que? "
"Você ouviu."
"Umas dez acho."
"Viado."
"Dez é pouco?"
"Não. Mas é claro que ele só me mandou dez mensagens porque a mulherzinha dele foi pra praia com as crianças. Aí tem tempo e lembra de mim."
"Como?"
"Sou amante faz uma semana."
"Ah."
"Não sei da onde tiram que amante é a outra-burra. É difícil pra caramba. Dá um puta de um trabalho."
"Talvez não seja uma questão de ser ou não burra, e sim, de ser ou não ocupada. Amante é coisa pra desocupada."

Ai, falei. Victoria não gostou. Sem dizer nada, correu para o banheiro e logo ouvia-se o barulho do chuveiro. Só me restava ligar a tv e sentar para ver a novela ou até mesmo um programa de vendas-1406. Uma mulher bonitona e amante. Tá certo que todas as amantes têm fama de lindas, mas Victoria poderia arrumar um namorado, casar, ter filhos. Engraçado, sempre que eu falo isso para um grande amigo nosso ele diz "Namorado? E quem é que aguenta tanta personalidade?". É, talvez seja mais difícil mesmo.

Não deu quarenta minutos, ela passou correndo pela sala, abriu a porta e saiu. Nem consegui falar nada. Só ouvi do hall do elevador "Não me espere. Volto tarde!". Tenho certeza que ela foi atrás do "M.R". Só quero ver o tamanho da encrenca que ela vai arrumar. Se bem que ela é grandinha, vai fazer 31. Amanhã acordo com ela esbravejando com alguma cagada que o tal "M.R" fez ou que ela acha que fez.


VS.

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